Comissão Especial da Câmara dos Deputados pode votar esta semana um projeto de lei que pretende modificar o sistema de registro, controle e uso de agrotóxicos e insumos agrícolas similares no país - José Cruz/Arquivo - Agencia Brasil (Foto: )
A Comissão Especial da Câmara
dos Deputados pode votar esta semana um projeto de lei que pretende modificar o
sistema de registro, controle e uso de agrotóxicos e insumos agrícolas
similares no país. De acordo com a proposta em discussão na Casa, a lei atual
de agrotóxicos pode ser revogada para simplificar o processo de autorização da
produção e comércio dos produtos no país.
Na
última semana, o parecer apresentado pelo relator Luiz Nishimori (PR-PR)
provocou intenso debate na Casa. Em seu relatório, o deputado propõe que a
legislação não se baseie mais na noção de "perigo", mas que se faça uma
avaliação de risco à saúde humana a partir do exame do limiar tóxico ou da
dosagem de substância tóxica contida no produto
O Brasil é considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Segundo boletim anual do Ibama, em 2016 o Brasil produziu mais de 510 milhões toneladas de ingredientes ativos para agrotóxicos e importou mais de 420 milhões - Direitos reservados/Ibama
A partir desse tipo de avaliação, o registro dos agrotóxicos ficaria
vedado para produtos que apresentarem risco considerado "inaceitável" para a
saúde humana e o meio ambiente. Algumas entidades alertam que dessa forma a
proposta reduz a possibilidade de proibição uso dos agrotóxicos em função da
periculosidade dos produtos.
O projeto ainda propõe a mudança do termo agrotóxico agrícola para
produtos fitossanitários, definidos no texto como "agentes físicos, químicos ou
biológicos, destinados ao uso nos setores de produção, no armazenamento e
beneficiamento de produtos agrícolas, nas pastagens ou na proteção de florestas
plantadas, cuja finalidade seja alterar a composição da flora ou da fauna, a
fim de preservá-las da ação danosa de seres vivos considerados nocivos".
Para os agrotóxicos não agrícolas, o texto também cria o termo "produtos
de controle ambiental", destinados à proteção de ecossistemas, como florestas
nativas e ambientes hídricos contra pragas e doenças. Segundo o relator, o uso
do termo agrotóxico é inadequado por se tratar de uma palavra depreciativa e
que não é mais usado em outros países. O projeto também refuta o termo
pesticida, pois significa "enfermidade endêmica que mata".
Sob o argumento de simplificação e desburocratização dos procedimentos
de registro dos defensivos agrícolas, o projeto especifica que só os princípios
ativos dos produtos, e não o nome comercial dos insumos, seriam registrados. A
proposta cria ainda o registro e autorização temporários para produtos que já
sejam usados em, pelo menos, três países para culturas similares ao Brasil e
adotem os princípios da legislação internacional de saúde, alimentação e meio
ambiente.
O substitutivo de Nishimori reduz os prazos de registro e restringe o
controle do uso de produtos fitossanitários ao órgão federal responsável pela
agricultura. Aos órgãos federais de meio ambiente caberiam o registro e
fiscalização dos produtos chamados de controle ambiental.
Ao Ministério da Saúde, o projeto prevê a responsabilidade de "apoiar
tecnicamente" os outros órgãos competentes no processo de investigação de
acidentes e enfermidades decorrentes de atividades com agrotóxicos, entre
outras atribuições. A avaliação de risco à saúde humana apresentada pelos
requerentes dos produtos também será submetida ao órgão federal de saúde.
Todo o processo de submissão à análise e registro é dispensado para
produtos destinados exclusivamente para exportação, segundo o substitutivo. No
caso do ingresso de agrotóxicos importados, o registro também poderá ser
liberado em caráter temporário, caso haja a declaração de estado de emergência
fitossanitária pelo poder executivo em função de risco de praga já existente ou
não no país.
Críticas
O Brasil é considerado o maior consumidor de agrotóxicos do mundo.
Segundo boletim anual do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
Recursos Naturais Renováveis (Ibama), em 2016 o Brasil produziu mais de 510
milhões toneladas de ingredientes ativos para agrotóxicos e importou mais de
420 milhões.
Por ser um dos produtos centrais para o modelo atual de produção
agrícola no país, a mudança na legislação é defendida pelos produtores rurais.
Os agricultores argumentam que a legislação de registro e uso de pesticidas
está muito defasada no Brasil e que a modernização da lei atual, que é de 1989,
pode aumentar a produtividade e competitividade econômica do país.
Em defesa do projeto, entidades do setor agrícola abriram uma campanha
chamada "Lei do Alimento mais Seguro". A mobilização visa convencer os
parlamentares a aprovar as mudanças na legislação atual para os defensivos
agrícolas e destacar que os produtos são importantes para combater as pragas na
lavoura e garantir a qualidade dos alimentos para o consumo humano.
"Nós estamos há mais de dois anos nessa comissão, já fizemos audiências públicas
em todo o Brasil, já foram ouvidos todos os segmentos da sociedade. Estamos com
uma legislação arcaica, atrasada em 30 anos. A tecnologia se moderniza, avança
e temos que estar de acordo com o que está surgindo de novo no mundo", disse o
deputado Rogério Peninha Mendonça (MDB-SC), integrante da Frente Parlamentar da
Agropecuária.
Parlamentares da frente ambientalista contestam o argumento do
crescimento econômico e declaram que o projeto não pode flexibilizar a
legislação para privilegiar os interesses do setor econômico em detrimento da
vida humana.
"Nós somos contra a aprovação deste projeto, porque ele vai aumentar os
casos de câncer, de má formação fetal, inclusive podendo gerar mutações
genéticas, desenvolvendo novas síndromes e novas doenças no Brasil pela
liberação, pela facilitação do uso de agrotóxicos. Trata-se, por isso, de um
projeto que foi denominado pela sociedade civil brasileira de pacote do veneno.
O Brasil, que já é um dos maiores consumidores de agrotóxicos no mundo, quer
facilitar ainda mais a utilização desses produtos que tão mal fazem à saúde
humana", disse o deputado Alessandro Molon (PSB-RJ).
Órgãos ambientais, de saúde e até do Judiciário se manifestaram ao longo
da semana contra o projeto por considerarem que diminui as garantias de
proteção à saúde. Em nota, o Ibama avaliou em uma nota técnica que as
mudanças propostas na Câmara são "inviáveis ou desprovidas de adequada
fundamentação técnica e, até mesmo, contrariam determinação Constitucional".
Sobre a proposta de mudança do termo agrotóxico para produto
fitossanitário, o Ibama, que hoje é responsável por avaliar o nível de
periculosidade dos agrotóxicos para o meio ambiente, argumenta que os
agricultores deveriam reconhecer os produtos mais como tóxicos e perigosos do
que como meros insumos agrícolas para que tenham mais cuidado na utilização. "A
toxicidade é uma característica inerente à grande maioria dos produtos
destinados ao controle de pragas e doenças, por ação biocida. Assim, o termo
agrotóxicos contribui para essa caracterização", diz a nota.
A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que já produziu diversos estudos
sobre os efeitos nocivos dos agrotóxicos, também emitiu nota pública criticando
o projeto de lei. Para a Fiocruz, a proposta "significa um retrocesso que põe em
risco a população, em especial grupos populacionais vulnerabilizados como
mulheres grávidas, crianças e os trabalhadores envolvidos em atividades
produtivas que dependem da produção ou uso desses biocidas".
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) se manifestou
principalmente contra o ponto do projeto que centraliza o controle dos
agrotóxicos no Ministério da Agricultura. Para a agência, que é o órgão
responsável por avaliar os níveis de agrotóxicos nos alimentos que chegam ao
consumidor e reavaliar as condições de toxicidade de produtos que já tem
registro, o projeto, da forma como está, falha na disponibilidade de alimentos
mais seguros ou novas tecnologias para o agricultor, além de enfraquecer o
sistema regulatório dos agrotóxicos nos país.
"O substitutivo apresentado desvaloriza todo o trabalho de monitoramento
realizado pela Anvisa e pelo Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS),
que coleta alimentos nas redes atacadistas e varejistas, locais cujo escopo de
atuação da agricultura não alcança, para verificar os níveis de agrotóxicos
presentes nos alimentos consumidos pela população", diz a Agência em nota.
Integrantes da bancada ambientalista querem que seja realizada uma
audiência pública para ouvir representantes dos ministérios da Agricultura, do
Meio Ambiente e da Saúde antes da apreciação final do projeto. Os
oposicionistas também anunciaram que farão dura obstrução ao andamento do
projeto na Câmara. A votação do projeto está prevista para a próxima
quarta-feira (16).
Edição: Aécio Amado